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O peixe que sabia das secas

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2023 12 11, Reserva Amanã, Amazonas: Manejo do Pirarucu, escamas de pirarucu. Foto: Miguel Monteiro/SUMAÚMA

O pirarucu sofre os efeitos da crise climática na Amazônia, fazendo com que a espécie se adapte a rios sem água. Uma aliança com comunidades ribeirinhas ajuda a manter a espécie viva.

Por: Maickson Serrão (SUMAÚMA)

Elsivan Ferreira Feitosa conhece o Pirarucu desde menino. Hoje, aos 44 anos, é pescador, vigilante e um dos poucos contadores de Boa Vista do Calafate — comunidade que fica na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, no Médio Solimões, em meio à Floresta Amazônica. Sua função exige mais que prática: requer escuta, concentração e experiência passada de geração em geração.

O Pirarucu, alvo da observação precisa de Elsivan, é um gigante ancestral das águas amazônicas. Pode chegar a três metros de comprimento e pesar até 200 quilos. Suas escamas são verde-escuras com manchas avermelhadas, e refletem tons intensos ao sol. Uma longa barbatana dorsal percorre o dorso até a cauda vermelha, larga e poderosa. Respira ar quando sobe à superfície para tomar fôlego e afunda de novo com o rabo espumando a água — um movimento que os contadores aprendem a identificar de longe. O nome Pirarucu vem do tupi e significa “peixe vermelho”.

“Eu aprendi com meu pai, com meu avô, com os tios. Um contador vai passando pro outro.”

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2023 12 11, Reserva Amanã, Amazonas: Manejo do Pirarucu, escamas de pirarucu. Foto: Miguel Monteiro/SUMAÚMA

A contagem de Pirarucus determina a cota de pesca permitida anualmente e não depende de equipamentos sofisticados. O que define é o corpo. O olho treinado. O tempo certo de olhar. Elsivan sabe a diferença entre o peixe pequeno e o grande pelo tempo que cada um demora para subir. O pequeno boia a cada 10 minutos. O grande, só a cada 20. A borbulha do peixe grande é grossa e forte; a do pequeno, fina e leve.

“O peixe grande vem mais lento. Lava o rabo na subida. Fica mais tempo em cima d’água. E a gente marca no relógio.”

Além da contagem, Elsivan lê os sinais do ambiente. Ele diz que o Pirarucu ouve a Floresta e se orienta pelo Jaçanã, um passarinho que vive nos capinzais. “Se a canoa encosta e faz zoada, o Jaçanã pula. Avisa o peixe. Ele boia bravo ou vai embora.” O peixe também presta atenção aos besouros, que ao bater no casco da canoa denunciam a presença humana. “Ele sabe que tem algo estranho ali. E não volta.”

Esse comportamento mostra que o Pirarucu é sensível, estratégico e alerta. Se perturbado em seu sossego, migra para outra área — mesmo que isso o coloque em risco. “Já vi peixe sair de área protegida por causa de barulho e ir parar onde tem invasor. Lá, ele é morto. Por isso o silêncio é parte da vigilância.”

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2025 04 24, Reserva Amanã, Amazonas: Manejo do Pirarucu, perfil Elsivan Feitoza, manejador. Foto: Miguel Monteiro/SUMAÚMA

Essa escuta afinada entre peixe e pescador revela mais do que um modo de vida: é também uma estratégia de sobrevivência frente ao colapso climático. A tecnologia ancestral de contagem de Pirarucus se entrelaça com o conhecimento científico, ambos apontando para a mesma direção — o Pirarucu e as comunidades que dele dependem estão se adaptando, ou não resistirão.

Foi para entender essa adaptação — do peixe e das pessoas — que, no final de abril de 2025, SUMAÚMA esteve na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, na região do Médio Solimões, e também percorreu o Rio Tefé, afluente do Solimões que conecta ecossistemas diversos. Durante mais de uma semana, a equipe percorreu comunidades, ouviu pescadores, manejadores, lideranças e cientistas, conheceu áreas de proteção e escutou relatos sobre as transformações que o clima impôs ao modo de vida ribeirinho. A reportagem foi realizada com o apoio técnico do Instituto Mamirauá, organização de pesquisa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Também contou com a colaboração de especialistas vinculados ao Instituto Serrapilheira e ao Centro Latino-Americano de Investigação Jornalística (CLIP), que vêm trabalhando juntos na análise dos impactos socioambientais das secas extremas na Amazônia.

Uma seca histórica na Amazônia

Em 2023 e 2024, a Bacia Amazônica registrou secas consideradas as mais graves dos últimos 40 anos.  O nível do Rio Tefé permaneceu abaixo da média histórica por quase metade do tempo entre janeiro de 2022 e novembro de 2024, segundo dados da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico analisados a pedido de SUMAÚMA pelo hidrólogo Caio Mattos (Universidade Federal de Santa Catarina), no âmbito de um programa de colaboração entre o Instituto Serrapilheira e do Centro Latino-Americano de Investigação Jornalística (CLIP).

A baixa no nível das águas faz parte de uma sequência de eventos extremos relacionados ao aquecimento global e à intensificação de fenômenos como o El Niño — um aquecimento anormal das águas do Oceano Pacífico que altera os padrões de chuva e gera secas severas na Amazônia.

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Fonte: Agência Nacional de Água e Saneamento

Braço do Rio Solimões, o Rio Tefé é vital para a mobilidade, a pesca e a organização da vida Ribeirinha em dezenas de comunidades da Reserva Amanã. Suas águas alimentam o Lago Tefé e conectam ecossistemas diversos, sendo também termômetro das transformações climáticas na região.

As consequências das últimas secas foram devastadoras. Botos morreram em massa, lagos secaram completamente, a pesca quase parou. Muitas famílias ficaram ilhadas ou sem acesso à água potável. O calor extremo aumentou a incidência de doenças, e os peixes menos resistentes sucumbiram à falta de oxigênio nas águas quentes e rasas.

O Pirarucu, no entanto, antecipou-se ao risco: migrou para partes mais profundas do Rio. Essa capacidade de antecipação, segundo os pesquisadores, é resultado de sua biologia e história evolutiva. O biólogo João Campos-Silva, presidente do Instituto Juruá — uma organização dedicada à conservação da biodiversidade amazônica e ao fortalecimento de comunidades locais, com sede em Manaus — , explica: “O Pirarucu evoluiu num ambiente de águas rasas e com pouco oxigênio, o antigo Lago Pebas, há milhões de anos. Por isso, tem uma adaptação fisiológica impressionante. Respira fora d’água, migra estrategicamente e busca os ambientes mais profundos nas secas”.

Segundo Campos-Silva, o Lago Pebas, um imenso sistema lacustre que cobria a Amazônia Ocidental, foi o berço evolutivo do Pirarucu. Nesse ambiente, as águas eram muitas vezes turvas, ácidas e pobres em oxigênio, o que fez com que somente as espécies mais adaptadas sobrevivessem. O Pirarucu sobreviveu graças à sua capacidade de respirar ar atmosférico, traço fisiológico fundamental que mantém até hoje. Além disso, desenvolveu comportamentos sofisticados de migração e de proteção dos filhotes, garantindo a perpetuação da espécie mesmo em condições adversas.

Sua bexiga natatória — um órgão interno que nos peixes ajuda no movimento de subir e descer na água — é hipertrofiada e funciona como um pulmão, permitindo que ele venha à superfície regularmente para captar oxigênio. Esse traço não só garante sobrevivência em águas pobres em oxigênio, como também influencia seu comportamento e sua interação com o ambiente e os pescadores.

Mais do que um sobrevivente, o Pirarucu é um exemplo vivo de como a evolução moldou estratégias de resistência em um dos ambientes mais desafiadores do planeta.

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Em setembro de 2024, uma expedição do Greenpeace Brasil foi a Tefé, Amazonas, para documentar os impactos da seca severa que atinge a região. A equipe registrou como a falta de chuvas está transformando rios, prejudicando a pesca e afetando o modo de vida de milhares de pessoas, incluindo populações indígenas e quilombolas. Essa crise climática evidencia os efeitos imediatos das mudanças ambientais nas comunidades que menos contribuem para o aquecimento global, mas que sofrem suas piores consequências.

Manejo e proteção comunitária

As comunidades Ribeirinhas da Reserva Amanã vivem da pesca, da agricultura e do extrativismo. Organizadas em associações comunitárias, elas definem acordos coletivos para praticar o manejo do Pirarucu — uma estratégia em vigor desde 2009, que hoje envolve mais de 30 comunidades e mobiliza cerca de mil pescadores nas atividades de pesca, contagem e revenda do peixe. O modelo se consolidou como uma das experiências mais bem-sucedidas de conservação participativa na Amazônia.

O processo é meticuloso: começa com a contagem dos peixes, feita por contadores especializados como Elsivan, que avaliam o tamanho e a quantidade dos Pirarucus nas áreas de manejo. A partir dessas informações, uma cota anual de pesca é definida. A pesca é feita em mutirões organizados, com cada participante assumindo funções específicas — desde a localização dos peixes até o transporte e o acondicionamento em gelo.

A comercialização segue o mesmo princípio coletivo. Contratos são firmados antecipadamente com compradores, que se comprometem com preços justos e práticas sustentáveis. Essas práticas incluem, por exemplo, a exigência de que sejam comercializados apenas peixes dentro da cota e do tamanho permitido. Também é proibido pescar fora dos períodos combinados. O lucro é dividido entre os participantes, fortalecendo a coesão social e econômica das comunidades. Além disso, parte dos recursos financia melhorias coletivas — como reformas de embarcações e de espaços comunitários.

Só em 2023, o faturamento coletivo do manejo ultrapassou 4 milhões de reais (cerca de 820 mil dólares à época) — reflexo de um sistema que alia geração de renda à conservação ambiental e à autonomia local. Os dados vêm de relatórios elaborados pelas próprias comunidades em parceria com o Grupo de Manejo do Instituto Mamirauá.

Foto pesca
2023 12 12, Reserva Amanã, Amazonas: Manejo do Pirarucu, pesca do pirarucu. Foto: Miguel Monteiro/SUMAÚMA

Com sede em Tefé, no Amazonas, o Mamirauá oferece suporte técnico às comunidades, desenvolvendo metodologias de contagem e monitoramento, capacitando contadores e manejadores e assessorando a implementação dos acordos de pesca. A atuação conjunta entre Ribeirinhos e cientistas é um dos pilares que sustentam o êxito do manejo do Pirarucu.

As decisões são tomadas em assembleias locais, onde se debate desde a criação de novas áreas de proteção até a suspensão temporária da pesca, como ocorreu em 2023 em quatro comunidades, Calafate entre elas, diante da seca extrema.

A proteção do território é permanente. Envolve patrulhas regulares, organizadas pelas próprias comunidades, com apoio de instituições como o Mamirauá. Esse trabalho é essencial não só para preservar o Pirarucu, mas para defender todo o ecossistema da região diante das ameaças crescentes de pescadores ilegais, madeireiros, grileiros e traficantes de fauna — grupos que atuam de forma predatória em áreas protegidas.

Jovane Cavalcante Marinho, 40 anos, é filho e neto de pescador. Hoje atua como técnico de manejo no Instituto Mamirauá, depois de anos envolvido diretamente na pesca. Ele conhece o Pirarucu desde pequeno e agora trabalha para que o conhecimento técnico sobre o manejo permaneça nas comunidades: “Para que o que a gente conquistou aqui não se perca com o tempo. Quando eu sair, já tem uma pessoa pra seguir com o mesmo objetivo. A ideia é treinar pessoas da comunidade para que elas mesmas elaborem os relatórios técnicos e assumam o manejo com autonomia”.

Rio Picaruru
2025 04 23, Reserva Amanã, Amazonas: Manejo do Pirarucu, Lago Amanã onde ocorre manejo do pirarucu. Foto: Miguel Monteiro/SUMAÚMA

Legado que atravessa gerações

O pescador Theibson da Silva tinha dez anos quando viu um Pirarucu pela primeira vez. Estava com o avô, em uma ressaca profunda, quando avistou uma família inteira de peixes — pai, mãe e filhotes.

“No começo eu achei que era bicho estranho. Tive medo. Mas aí parei, olhei. O pai ia embaixo dos filhotes, a mãe atrás, protegendo.”

A cena ficou guardada. O aprendizado não parou ali. Hoje, aos 25 anos, Theibson é pai de dois filhos, manejador de Pirarucu e um dos jovens que renovam a prática e a organização social das comunidades Ribeirinhas da Reserva Amanã.

Na pesca, ele atua no monitoramento e no acondicionamento do peixe. Cuida da recepção, do gelo, das anotações. Aprendeu com os avós, mas pensa nos filhos quando fala do futuro. “Se meu avô me ensinou, eu também quero ensinar. Quero que meus filhos vejam o que eu vi.”

Theibson é vice-presidente do acordo de pesca firmado na comunidade e conselheiro fiscal. Não se declara liderança, mas é reconhecido como tal. A geração dele aprendeu a manejar o Pirarucu e, mais recentemente, a lidar com desafios adicionais trazidos pela seca extrema, o isolamento durante a pandemia e a necessidade de adaptação.

Ele percebeu que, em 2023 e 2024, os Pirarucus mudaram o período de desova. Antes, os ovos eram chocados entre outubro e novembro. Mas, nas secas severas, o peixe esperou. “Eles sentiram que ia secar demais. Se tivessem chocado antes, os filhotes iam morrer. Eles esperaram a água subir. Só desovaram em janeiro.”

Para Theibson, isso não é acaso, é adaptação. “Eles são mais inteligentes do que muita gente acredita. Sabem onde se esconder, sabem quando fugir, sabem quando é hora de esperar.” 

Theibson
2025 04 23, Reserva Amanã, Amazonas: Manejo do Pirarucu, perfil Theibson da Silva, manejador. Foto: Miguel Monteiro/SUMAÚMA

Assim como o peixe, as comunidades também se adaptam. “Nunca vi Pirarucu morrer de seca. Mesmo na maior que já vivi. Eles se viram. Encontram os poços. Se concentram. A gente é que, às vezes, não se adapta.”

Theibson planta banana, mandioca, vive da roça, mas também participa da associação e das decisões sobre o manejo. A nova geração carrega o conhecimento dos mais velhos e aprende a transformá-lo em estratégia diante de um contexto cada vez mais instável.

Se Theibson representa o presente e o futuro, Edivan Ferreira é um exemplo da liderança consolidada que sustentou o manejo do Pirarucu ao longo das últimas décadas. Presidente da Associação Comunitária Boa Vista do Calafate, Edivan conhece como poucos o funcionamento do acordo de pesca e os desafios da proteção do território.

“Aqui não tem competição, tem acordo”, diz ele, resumindo a lógica do manejo. O acordo resulta de um pacto coletivo para garantir que a pesca ocorra de forma sustentável, respeitando o ciclo de vida do peixe e protegendo os lagos da ação de invasores.

Edivan conhece bem a necessidade de organização. Sabe que sem vigilância, sem regimento interno e sem decisão conjunta, o Pirarucu pode acabar — não apenas pelo excesso de pesca, mas, principalmente, pela ação de invasores que operam fora das regras, muitas vezes ligados a grupos armados e ao tráfico de fauna. “A gente cuida, mas é ameaçado. Só que, se a gente parar, aí sim perde tudo.”

Para Edivan, a força do manejo comunitário está na combinação entre o conhecimento tradicional — passado de geração em geração — e a estrutura social que dá sustentação à prática. Ele viu o manejo começar, viu os ganhos crescerem, mas também acompanhou o aumento das ameaças.

Nas comunidades Ribeirinhas, as assembleias são momentos centrais. Ali se define desde a criação de novas áreas de proteção até a suspensão da pesca em anos críticos — como ocorreu em 2023, quando, diante da seca histórica, as comunidades decidiram não pescar. Foi uma decisão difícil, mas necessária para garantir a continuidade da espécie e da atividade no longo prazo.

Edivan sabe que essa escolha só é possível porque existe um sistema de governança local fortalecido. E diz que a nova geração está preparada para seguir adiante. “A juventude está participando, assumindo funções, aprendendo a cuidar. É importante, porque são eles que vão continuar quando a gente não puder mais.”

Edivan Pirarucu
2025 04 23, Reserva Amanã, Amazonas: Manejo do Pirarucu, Edivan Feitoza participa de reunião do manejo. Foto: Miguel Monteiro/SUMAÚMA

Entre Theibson e Edivan há diferenças de idade, de trajetória, de perspectiva — mas há também uma ligação profunda com o Pirarucu, que os conecta e orienta. Um, aos 25 anos, aprendendo a ensinar. Outro, liderança experiente aos 49 anos, transmitindo  o que viveu. O Pirarucu permanece: respira, migra, se adapta. Assim como as pessoas que o manejam, que o observam e que, geração após geração, aprendem com ele a viver entre o tempo e o silêncio da floresta.

A Juruti, o Pirarucu e o futuro possível

Para os Deni, povo Indígena do Rio Juruá, o Pirarucu não é apenas um peixe — é um ser transformado. Um jovem e uma moça, irmãos, viviam em harmonia com seu povo. Ela casou-se com um homem de outra comunidade, mas uma doença levou todos daquela aldeia, restando apenas a jovem. Sozinha e tomada pela dor, transformou-se em Juruti, um pássaro que habita as margens dos rios. O irmão, inconsolável, mergulhou nas águas e tornou-se peixe. Virou Pirarucu. Antes de se separarem, combinaram que jamais ficariam distantes. Por isso, dizem os Deni, até hoje a Juruti canta perto dos lugares onde vivem os pirarucus.

“Foi assim que começou a história dele para nós. Ele foi um dos nossos. Por isso a gente respeita. Por isso a gente escuta”, conta Umada Kuniva Deni, liderança de seu povo.

Para povos como os Deni, o Pirarucu é, além de alimento e renda, parente, espírito ancestral e símbolo de continuidade. Esse vínculo transforma o manejo: “Eles não manejam um recurso, mas um semelhante”, explica o biólogo João Campos-Silva.

A carne branca, envolta por escamas verdes, vermelhas e douradas, é símbolo de abundância. Sua língua óssea, com dentes afiados, é usada pelos povos Indígenas como ferramenta de ralar mandioca, mostrando que nenhuma parte do Pirarucu se perde: da carne ao couro, do osso ao mito. Em festas comunitárias, o peixe aparece assado em grandes pedaços, cozido em caldeiradas ou defumado, compondo cardápios e celebrações que marcam o ciclo das águas e a vida social da Floresta.

Para Umada Deni, a relação com o Pirarucu molda passado, presente e futuro. “O Pirarucu ajuda a manter nossa cultura viva. Quando a gente pesca junto, quando cuida dele, a gente também está cuidando do nosso jeito de viver, da nossa história.” O Pirarucu é cultura, alimento, história, ferramenta e mito — um ser que atravessa dimensões e reafirma a complexidade da relação entre os povos da Floresta e os seres que nela habitam.

“O Pirarucu é muito mais do que um peixe. É um símbolo que serve de inspiração para a gente pensar uma Amazônia protagonizada pelos povos locais, uma Amazônia que gere riqueza, mas que também proteja a biodiversidade, os seres encantados, as cosmovisões dos povos. O Pirarucu é um modelo de desenvolvimento alternativo a esse desenvolvimento predatório e destruidor que a gente vê há tanto tempo na Amazônia.”

A fala de João Campos-Silva, do Juruá, sintetiza o significado que o Pirarucu e o manejo comunitário assumem hoje na região. O peixe que prevê as secas, migra para sobreviver e inspira modos de vida tornou-se também uma referência para o debate sobre o futuro da Amazônia: como combinar conservação, geração de renda e protagonismo das populações locais.

No Médio Solimões, essa alternativa não é apenas uma ideia, mas uma prática. O Pirarucu segue nadando nas águas profundas da Reserva Amanã, protegido pelo silêncio dos contadores e pela vigilância de quem aprendeu, há gerações, que resistir é também saber ouvir o movimento da Floresta.

pirarucu
2025 04 24, Reserva Amanã, Amazonas: Manejo do Pirarucu, Lago Amanã onde ocorre manejo do pirarucu. Foto: Miguel Monteiro/SUMAÚMA
Lazos Amazónicos

Esta reportagem é o resultado de uma colaboração entre jornalistas e cientistas latino-americanos, promovida pelo Instituto Serrapilheira, do Brasil, e pelo Centro Latino-Americano de Jornalismo Investigativo (CLIP), para explorar como os danos à biodiversidade da Amazônia prejudicam os vários serviços ambientais que ela presta ao continente.

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