Quando o economista escocês Adam Smith, conhecido como pai do liberalismo, falou no século 18 sobre “a mão invisível do mercado”, ele previa que ao buscar seu próprio benefício os indivíduos poderiam favorecer o conjunto da sociedade. Mas Smith também advertiu que os comerciates costumam macomunarse- e manipular as regras a seu favor e que o Estado deve evitar monopólios e garantir bens públicos. Hoje está claro que, se não fiscalizadas, empresas atuam como Smith temia: moldam as leis, cooptam governos e manipulam a opinião pública em benefício próprio.
Diante de avanços legislativos, existe um setor que tem se destacado nas ações de lobby anti-regulação em todo o mundo: as Big Techs, um grupo seleto de companhias bilionárias como Meta (dona do Facebook, WhatsApp e Instagram), Alphabet (dona do Google e do You Tube), Amazon, Microsoft e Apple – conhecida como as “Big Five” – e outras, como a chinesa ByteDance (dona do TikTok), a gigante latino-americana Mercado Livre, e novos players da corrida pela inteligência artificial, como a Open AI.
Juntas, as gigantes da tecnologia têm um impacto maior em todos os aspectos da vida das pessoas do que muitos governos. No entanto, diferentemente dos governos, cujo objetivo é servir ao público e que têm de responder a ele, as Big Techs têm como objetivo maximizar lucros e prestar contas a seus acionistas. Aqueles que as controlam muitas vezes podem ser contados nos dedos de uma mão.
Há poucos dados sobre como elas agem para influenciar legislações. Hoje, as Big Techs são o setor que mais gasta em lobby na União Europeia, onde são obrigadas a declarar seus investimentos. Em 2024, o setor gastou 67 milhões de Euros, um aumento de 57% desde 2020. Nos Estados Unidos – onde também são forçadas a publicizar seu gasto em lobby, elas gastaram 61 milhões de dólares no mesmo ano, um aumento de 13% em comparação a 2023. Para abrir portas com a administração Trump, empresas como Amazon, Meta, Google, e Microsoft doaram US$ 1 milhão cada para o comitê da cerimônia de posse, e os CEOS se enfileiraram durante o evento.
Mas como elas operam no resto do mundo?
As grandes empresas de tecnologia têm mais dinheiro do que muitos países. Segundo seu relatório financeiro, a Alphabet, dona do Google, teve uma receita de US$ 350 bilhões em 2024, quase o equivalente ao PIB do Chile, três vezes o do Equador e dez vezes o de El Salvador. A Meta teve uma receita de US$ 164 bilhões em 2024, mais de três vezes a produção econômica do Paraguai. A receita da Amazon no ano passado foi de quase US$ 638 bilhões, um valor equivalente que o PIB da Argentina.
Seu poder de barganha é maior em países menos desenvolvidos, e elas sabem usá-lo. Em alguns países – como é o caso da maioria dos países da América Latina e do sul global, inclusive o Brasil – o lobby não é regulamentado, e, portanto, é ainda mais difícil registrar ações de lobby e mensurar em que medida elas afetam as regulações aprovadas no Congresso.
Mas essas mãos que moldam as sociedades não devem continuar agindo nas sombras. Esse trabalho é feito por profissionais bem pagos que fazem parte de operações complexas, chamados internamente de “relações governamentais”, ou “assuntos públicos”. Estes departamentos, por sua vez, contratam terceiros para atuar em seu nome, como escritórios de advocacia ou associações empresariais. Essas operações investem em maneiras de construir e manter relacionamentos com autoridades, distribuindo benesses; promovem reuniões privadas, pagam viagems, happy hours e jantares após o expediente; e forjam alianças com base no acesso às suas tecnologias.
Para a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), lobby e atividades de influência são “ações, realizadas diretamente ou por meio de qualquer outra pessoa física ou jurídica, dirigidas a funcionários públicos no exercício do processo de tomada de decisão, às suas partes interessadas, à mídia ou a um público mais amplo, e que visam promover os interesses dos agentes de lobby e influência com referência aos processos de decisão pública e processos eleitorais”.
Estratégias de lobby frequentemente extrapolam o relacionamento com agentes públicos, e podem incluir campanhas de manipulação da opinião pública, da imprensa, financiamento para institutos e até para a produção de conhecimento científico.
Sarah Wynn-Williams, ex-executiva do Facebook, descreve em seu livro, Careless People, como seus chefes na empresa de tecnologia, surpresos com seu próprio poder e ingênuos, começaram a negociar com os governos do mundo e, movidos apenas pelo lucro, acabaram “crescendo rápido e infringindo leis”. A autora estava parafraseando com ironia o slogan de Mark Zuckerberg, fundador e controlador da Meta: ” mova-se rápido e quebra coisas”
Para documentar como funcionam essas operações de lobby, o projeto A Mão Invisível das Big Techs publica a partir de hoje, três séries de reportagens que descortinam como as Big Techs têm buscado moldar leis e regulações, atuado judicialmentecontra governos e levado a cabo operações de influência para evitar regulações que buscam mitigar seus impactos negativos sobre a sociedades e sobre a política; como têm influenciado o debate sobre a informação pública; e qual é o impacto ambiental dos data centers, essas enormes infraestruturas que abrigam seus milhares de servidores.
Essa investigação –que levou nove meses e investigou 13 países –é liderada pela Agência Pública, do Brasil, e pelo Centro Latinoamericano de Investigación Periodística, CLIP, junto com Cuestión Pública (Colômbia); Daily Maverick (África do Sul); (Argentina); El Surti (Paraguai); Factum (El Salvador); ICL (Brasil); IJF (Canadá); La Bot (Chile); Lighthouse Reports (Internacional); Núcleo (Brasil); Primicias (Equador);TechPolicy.press (EUA); N+Focus (México); Tempo (Indonésia); Crikey (Austrália), com o apoio da organização de defesa do jornalismo, Repórteres Sem Fronteiras (Internacional) e El Veinte (Colombia).
Pela primeira vez, uma investigação colaborativa e transfronteiriça conseguiu identificar quase 3 mil ações de lobby das Big Techs realizadas em parlamentos e governos de todo o mundo, que podem ser acessadas nesta base de dados interativa. Também registramos processos judiciais e projetos de lei envolvendo as regras do jogo na indústria de tecnologia.
Conheça aqui as táticas de lobby identificadas neste projeto e a nota metodológica.
Tornar visíveis a “mão invisível” das Big Techs é uma tarefa que as organizações participantes deste projeto consideram urgente. Por isso, todas realizam um disclaimer coletivo sobre financiamentos recebidos de empresas tecnológicas atualmente ou no passado. Veja aqui a lista completa.
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A Mão Invisível das Big Techs é uma investigação transnacional e colaborativa liderada pela Agência Pública e o Centro Latinoamericano de Investigación Periodística (CLIP), em conjunto com Crikey (Austrália), Cuestión Pública (Colômbia), Daily Maverick (África do Sul), El Diario AR (Argentina), El Surti (Paraguai), Factum (El Salvador), ICL (Brasil), Investigative Journalism Foundation – IJF (Canadá), LaBot (Chile), LightHouse Reports (Internacional), N+F Descargar mensaje completo




