Desde 2020, a cidade de Tena, situada nas encostas andinas da Amazônia equatoriana, lida com o aumento da população causado pelo avanço do garimpo, que assola a província de Napo, sem regulamentação, nem controle estatal. A essa crise se soma a expansão urbana não planejada, que provoca um aumento na temperatura do solo, da água e do ar devido ao desmatamento.
Por Diego Cazar Baquero (La Barra Espaciadora)
Dentro de sua lanchonete, na rodoviária de Tena, Tatiana* tenta se proteger do calor. Ela se lembra que chegou à cidade amazônica há uns vinte e cinco anos. Veio junto com a mãe, natural da província andina de Imbabura. “Quando viemos para cá, o pessoal pulava da ponte, para nadar no rio. Agora o rio mal passa do joelho”, conta a mulher, de trinta e poucos anos, nascida em Quito. A ponte de que ela fala cruza o rio Tena e faz parte do Malecón Escénico, um calçadão turístico, nesta cidade que cresce com impressionante rapidez
Em 1990, apenas seis por cento da população da amazônia equatoriana vivia em cidades. Em 2010, o número já havia saltado para 38 por cento. Em 2022, apenas em Tena, a população havia crescido quase 34 por cento, e já chegava a 80.816 habitantes. A cidade cresceu cerca de 2,4 por cento ao ano, ao passo que o restante do país cresceu apenas 1,33 por cento ao ano, de acordo com o INEC, instituto responsável pelo censo no Equador.
Durante os últimos 50 anos, outras cidades da Amazônia Equatoriana, como Lago Agrio, Shushufindi e Francisco de Orellana (Coca) cresceram sem qualquer planejamento, impulsionadas pela indústria do petróleo, que se instalou na região.
Porém, a pequena cidade de Tena cresceu mais – e mais rapidamente – que as outras, graças ao avanço da exploração do ouro, que desde 2020 pressiona cada vez mais sua área urbana.
“Neste momento, enfrentamos o problema da mineração”, reconhece Jimmy Reyes, atual prefeito de Tena, em uma entrevista concedida à reportagem da La Barra Espaciadora. “Os governos anteriores concederam muitas licenças”, explicou Reyes, destacando que a responsabilidade pelo avanço da mineração é do governo central, não do município. “Eu enviei uma carta para dizer que, em Tena, não queremos nos tornar um município minerador, e me disseram que se trata de uma política de Estado, que temos que agir com base em nossas competências e que todo o extrativismo no país é estratégico e, portanto, é gerido pelo governo central e pelos ministérios”..
“É um exagero. Eles secaram os rios”, reclama Tatiana.
“Você acha que isso é culpa da mineração?”, pergunto.
“Não sei. Mas olha lá” – diz Tatiana, apontando para uma parede onde se veem muitos anúncios. Ela lê em voz alta: “‘Vaga de trabalho. Mineração’. Sempre vejo isso porque é um serviço bem pago e Tena acabou se corrompendo um pouco pela mineração. Outro dia mataram um homem perto do hospital. Dizem que foi acerto de contas, porque ele trabalhava no garimpo.

O vertiginoso crescimento da área urbana está elevando as temperaturas do solo, dos rios e do ar, ameaçando também as áreas de proteção ambiental mais próximas, sobretudo a Reserva Biológica Colonso Chalupas, segundo pesquisas da Universidade Regional Amazônica Ikiam, da Fundação Ecociencia, e de acordo com as informações levantadas pela reportagem da La Barra Espaciadora.
Algumas fontes locais consultadas para este artigo pediram anonimato e são identificadas com pseudônimos, devido ao risco que enfrentam pela presença constante de criminosos ligados ao garimpo e ao narcotráfico, afirmam.
As ilhas de calor em Tena
“Venha para cá, O sol está forte”, grita Tatiana*.
O terminal rodoviário, onde fica sua lanchonete, e a Praça Cívica da cidade, registraram as temperaturas médias mais altas (37,9 graus celsius e 37,4 graus, respectivamente), de acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade Regional Amazônica Ikiam, coordenada pelo engenheiro ambiental e professor Gabriel Gaona.
São 4h35 da tarde. Os pequenos restaurantes da rodoviária seguem vazios, mas o ruído de motores e as buzinas da avenida 15 de Novembro – principal rua da cidade – dão a sensação de que o calor só aumenta. A moça do quiosque ao lado esticou um toldo de plástico sobre as mesas, para fazer um pouco de sombra e tentar atrair algum cliente. Enquanto espera, um vira-latas caminha lentamente, se protegendo sob uma cadeira, enquanto suspira de calor.
Tatiana tem sorte. O sol não bate em sua loja, mas o bafo quente da rua faz seu corpo suar. Ela não vende muita comida esse horário, mas serve um casal de indígenas waorani, que acaba de saltar de um ônibus e pede dois pratos feitos com frango, chá gelado de hibisco e suco de tamarindo para refrescar.
Dados históricos da iniciativa MapBiomas Equador (1985–2023) mostram como a mineração vem se aproximando da cidade. Com base nesses dados, o cientista Pedro Paulo Souza-Lopes, do Programa de Formação em Ecologia Quantitativa do Instituto Serrapilheira, observa que, à primeira vista, não há uma correlação direta entre a mineração e o aumento das temperaturas. Entre 2001 e 2023, a mudança no uso do solo pareceu estável e houve até um avanço da floresta em áreas de plantação. No entanto, olhando mais de perto, a presença de infraestrutura urbana e do garimpo cresceu significativamente dentro de um raio de 10 km em torno de Tena.

Um relatório do Monitoring of the Andes Amazon Program (MAAP), liderado por três ONGs ambientais que fazem parte do Amazon Conservation, advertiu ainda em 2022 que, entre 1996 e 2020, ocorreu um aumento de quase 210 vezes nas áreas de mineração em toda a província. Em 1996 foram detectados apenas 2,6 hectares de área de mineração em Napo. Já em 2020, o número havia saltado para 556,8 hectares. A maior parte da atividade se concentrou em um período de quatro anos, entre 2016 e 2020.
A primeira atividade de mineração detectada pelo MapBiomas nos arredores de Tena ocorreu em 1998, com apenas 0,72 hectares. Porém, em 2023, a superfície tomada pela mineração alcançou 440 hectares no entorno da cidade, um crescimento de mais de 600 por cento em 25 anos. O Instituto Serrapilheira observa que os terrenos agrícolas e a floresta foram os principais espaços ocupados pela mineração. Em muitos casos, o processo de transição mostra que uma parte da floresta deu lugar para plantações e, em seguida, para o garimpo.

“Estamos perdendo esses serviços ecossistêmicos e, assim, acontece uma elevação da temperatura nessa região”, explicou Jorge Villa, especialista em sistemas de informação geográfica e sensores remotos da Fundação EcoCiencia. Segundo ele, os serviços ecossistêmicos fornecidos pela floresta são vitais para o controle da temperatura na região por três motivos: as árvores liberam grande quantidade de vapor, que é condensado pelas nuvens e, assim, em chuva, o que funciona como uma espécie de regulador climático. Elas absorvem a radiação solar que chega à Terra, “sem refletir o calor, como acontece com o asfalto e o cimento. Na verdade, as árvores usam essa energia para realizar seus processos biológicos”. Elas também geram sombras naturais em grande quantidade. Mas isso quase não acontece nas áreas de mineração, “cujas temperaturas ficam mais altas e, como estão próximas dos rios, acabam elevando também a temperatura da água”.

Um relatório posterior publicado pelo MAAP em março de 2023 demonstrou que que houve um aumento de 300 por cento na mineração em Napo desde 2015 e que apenas 17 por cento desse crescimento foi registrado por meio de licenças mineiras oficiais.

A população imigrante – de dentro e de fora do Equador -, juntamente com os habitantes da zona rural de Tena e do restante da província de Napo contribui direta, ou indiretamente, com o avanço dos focos de extração de ouro na região. Os dados do MAAP indicam que a atividade mineradora se aproxima cada vez mais das áreas urbanas, causando impacto em suas dinâmicas.
“As ilhas de calor urbano se formam quando as cidades registram temperaturas mais altas do que as periferias e zonas rurais circundantes”, explicou o documento de apresentação do projeto de pesquisa “Islas de calor en la amazonia noroccidental. El caso del gradiente urbano rural de la cuenca del río Tena” (Ilhas de calor no Noroeste Amazônico. O caso do gradiente entre as áreas urbanas e rurais ao longo da bacia do rio Tena, em tradução literal), coordenado por Gaona.
O terminal rodoviário de Tena foi construído com estruturas de concreto armado e ocupa um quarteirão sem árvores. “Esse é o tipo de material que eleva a temperatura”, comenta o pesquisador. Por isso, a rodoviária foi registrada como uma das principais ilhas de calor da cidade.


Os níveis de temperatura do ar mais altos registrados pela Universidade de Ikiam chegam aos 45º C durante o dia e a 40º C durante a noite. A universidade mede a temperatura do ar a cada 15 minutos, em diversos locais da cidade, a uma altura de 1,5 metro do chão.
Para medir o efeito do aquecimento vertical, a Universidade de Ikiam se concentrou em três usos do solo: matas, áreas construídas e pastos, de acordo com Pablo Meneses, que também faz parte do grupo de pesquisa.
Com sensores instalados em drones, os pesquisadores analisam como essa variação térmica afeta diversas espécies de anfíbios, já que esses animais servem como bioindicadores para compreender as mudanças na temperatura. Meneses também quer demonstrar a existência do que chama de “trocas de espécies” na região de contato entre as zonas urbana e rural. Para ele, Tena pode servir como modelo para estudar o fenômeno das ilhas de calor em cidades amazônicas mais populosas, tanto no Peru, como no Brasil. A pesquisa ainda está em andamento.

“Podem chegar. Temos almoço, prato feito. Venham para cá. Temos frango assado”, diz Tatiana, com a voz resignada. Está esperando “o sol baixar para sair e vender quimbolitos”. Sua voz aguda se mistura ao som da cumbia andina, que vem de outra loja. “Podem vir. Temos lugar. Venham comer, venham comer…”



“Mais gente, mais necessidade” — a metrópole que se anuncia
Uma das premissas da pesquisa da Universidade de Ikiam é que a Amazônia equatoriana tem apresentado os índices de crescimento populacional mais altos do país nas últimas décadas.
A área estudada inclui o gradiente urbano-rural entre Tena, capital da província, e Archidona, município vizinho a apenas cinco minutos de carro. No caminho entre os dois, existem povoados como Muyuna, Chambira e Alto Pano, e todos eles registraram um aumento significativo de temperatura no solo. A suspeita é que isso se deva à chegada de novos moradores e à nova ocupação urbana em Tena.

O prefeito de Tena, Jimmy Reyes, afirmou que o crescimento da cidade se deve à chegada de imigrantes de outras províncias do país, que “vêm à Amazônia porque acreditam que há oportunidades em Tena. Mas, obviamente, com mais gente, temos mais necessidades”.

O Município de Tena utilizou dados do INEC e explicou que o aumento no número de imigrantes na região entre 2010 e 2022 foi de 210,25 por cento, com 9,89 por cento de crescimento ao ano. São pessoas de outras regiões do Equador e de fora do país. “Devido à falta de segurança, as pessoas da região central do país já não querem mais ir ao litoral e preferem vir para cá. Nos feriados, já não temos mais vagas nos hotéis e já existem até pessoas que querem alugar casas por aqui”, contou Reyes.
Na região noroeste de Tena, subindo a colina, fica o bairro El Buen Pastor, conhecido localmente como “4×4”, já que, até recentemente, essa região funcionava como pista improvisada para os veículos com tração nas quatro rodas. Porém, comparando a paisagem no início de 2025 com a de maio do mesmo ano, o bairro virou outro lugar. Onde antes havia uma pista de rali, o Governo da Província de Napo—com apoio da prefeitura— construiu um campo de futebol profissional, inaugurado em fevereiro. No início de abril, foi finalizada a construção de uma igreja católica, a poucos metros dali. Novas estradas foram abertas no local e algumas delas não levam a lugar nenhum.


Luis Benavides, um pedreiro vindo de Quito, desce à pé com o sobrinho Santiago por uma das ruas de terra abertas recentemente. “Hoje choveu por milagre”, contou, e não puderam trabalhar na casa que estão construindo há quatro meses. “O bairro está crescendo, porque as pessoas ganharam algum dinheiro”, explicou Luis.
Para ganhar tempo com a construção das casas, eles trabalham em equipes de quatro pessoas: dois pedreiros, um ajudante e um encarregado. Luis conta que cada pedreiro ganha 170 dólares por semana, ou 680 por mês. O encarregado, por sua vez, ganha 40 dólares por dia de trabalho.
No bairro, existem cada vez mais placas de venda de casas e terrenos. Santiago conta que elas são vendidas rapidamente. Algumas estavam à venda poucos dias atrás, “mas já tiraram as placas”, relembra. Uma casa no bairro custa em torno de 48 mil dólares. Os terrenos têm entre 250 e mais de mil metros quadrados e custam até 10 mil dólares.



A mãe de Tatiana vive perto desse bairro. “Antes só existiam três casas, mas agora está cheio de prédios””, conta.
“O aumento da população também trouxe mais veículos e a mobilidade também foi afetada. Já estamos tentando resolver a carência de serviços básicos, que é o maior problema que temos na área urbana. Na zona rural, ainda falta acesso à água potável. Temos problemas com o sistema de saneamento, necessário para proteger os rios e o meio ambiente. E também faltam ruas e estradas”, reconhece o prefeito Reyes.
De fato, durante a visita da equipe do La Barra Espaciadora, foi possível ver que o trânsito é intenso nos bairros altos de Tena. Há vias recém-asfaltadas, postes de luz e muitos terrenos à venda. “Muitas ruas foram abertas em propriedades privadas que, com frequência, tem terrenos enormes, com vários hectares”, explicou Gaona.
“Querem construir casas ‘com cara de cidade’ em áreas que não são urbanas. Nesse processo de emular a cidade onde ela ainda não existe, tudo fica mais caro: é preciso usar materiais como zinco ou cimento, que não são produzidos aqui e precisam ser trazidos de fora”, completa o pesquisador da Universidade de Ikiam.
Archidona, Puerto Napo, Pano e a até mesmo a Reserva Biológica Colonso Chalupas (RBCC) se converteram em pólos de expansão. “Com esse boom migratório, grandes áreas começaram a ser loteadas”, diz Gaona, explicando que os terrenos são vendidos aos imigrantes.
Áreas de proteção sob ameaça
Somente na província de Napo, cinco unidades de conservação estão ameaçadas pelo avanço da mineração: o Parque Nacional Cayambe-Coca, a Reserva Ecológica Antisana, o Parque Nacional Llanganates, o Parque Nacional Sumaco-Napo-Galeras e, principalmente, a Reserva Biológica Colonso Chalupas, muito próxima da zona oeste de Tena e da vizinha Archidona.
Segundo Byron Lagla, diretor de Áreas Protegidas e Outras Formas de Conservação, no Ministério do Meio Ambiente, Água e Transição Ecológica do Equador, das 78 unidades que formam o Sistema Nacional de Áreas Protegidas (SNAP), atualmente, a Colonso Chalupas é a mais impactada pelo garimpo em todo o país. “Estamos cercados pela mineração e pelo petróleo. O Plano de Manejo afirma que a área é dedicada exclusivamente à preservação ambiental, mas já existem focos de garimpo ilegal”, explica Lagla.
A Universidade de Ikiam foi criada em outubro de 2014, voltada à pesquisa em Ciências da Vida e da Terra. No mesmo ano, foi criada a RBCC, com 93.246 hectares e pelo menos seis ecossistemas que servem de laboratório vivo.
Pesquisadores da Fundação EcoCiencia demonstraram que o aumento das temperaturas em Tena afeta a água e que esses fenômenos também pressionam a RBCC. Sua zona de transição é uma das áreas que circundam a cidade. Nessas colinas, é fácil ver áreas desmatadas. “A abertura de vias coloca a zona de transição e a própria reserva sob pressão. Com isso, alguns corredores biológicos já foram desfeitos”, observa Gabriel Gaona. A RBCC tem função de corredor, pois se encontra entre o Parque Nacional Llanganates e a Reserva Ecológica Antisana.

Um relatório publicado pelo MAAP, em 4 de maio, confirma que mais de um terço do desmatamento causado pela atividade de mineração nos nove países amazônicos ocorreu em áreas protegidas e em territórios indígenas, o que demonstra sua ilegalidade. O relatório destaca que “o Equador se converteu em uma importante frente de desmatamento causado pela mineração”.


“Diabinho, diabinho, me ajude a achar ouro…”
“O calor está de rachar. Até instalamos ar condicionado em casa. Aqui é quente demais. Ontem o sol não estava tão forte, mas estava um calorão!”, exclamou Marcelo*, um agricultor de sessenta e poucos anos nascido no litoral, que se mudou para Tena quando tinha 13 anos.
Marcelo é dono de três restaurantes em diferentes lugares de Tena. Todos os dias acorda às três da manhã e sai de casa, no bairro El Buen Pastor, a caminho de um de seus restaurantes na região central da cidade, para cozinha e preparar o necessário para o dia. Depois de quase meio século na cidade, ele já se considera um nativo.
Com sorriso fácil e sotaque carregado, que revela suas raízes, o homem corpulento de pele morena nos convida a entrar e logo se senta conosco.
“Quer dizer que esse calor todo não é normal?”, pergunto antes que ele possa se sentar. “Não. Quem é da cidade percebe que os dias estão quentes demais”, revela. “Mas, qual é o motivo?”, pergunto. “Estão destruindo os morros por causa da mineração. Eles derrubam tudo e a terra esquenta”, explica, com a firmeza de quem tem experiência.
Sandra*, a esposa de Marcelo, chega poucos minutos depois. Ela sussurra ao se apresentar. Parece introvertida e de poucas palavras, mas ao escutar nossa conversa, se oferece para nos acompanhar durante a visita à comunidade de Yutzupino, às margens do rio Jatunyaku. Foi ali que, em fevereiro de 2022, aconteceu a Operação Manatí I: uma megaoperação que mobilizou promotores, militares e policiais, e resultou na apreensão de 148 retroescavadoras que já haviam destruído quilômetros de matas e rios. A operação não foi capaz de deter o garimpo, que acabou se espalhando pelo resto da província de Napo, de acordo com o fiscal, Diego Segovia“.
A província tem hoje cerca de 60 mil hectares concedidos para a mineração. Mas são áreas de mineração legal, ou de garimpo clandestino? A Polícia Nacional nem consegue entrar nessas áreas. Neste momento, há tiroteios nas frentes de garimpo e as pessoas estão sendo tiradas de suas terras”, afirmou o procurador.
Os rios mais atingidos por esse novo foco de exploração foram o Jatunyaku e o Yutzupino, que ficam a poucos quilômetros da cidade.
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A situação piorou logo após a operação. Por isso, em 25 de agosto de 2023, a Câmara Municipal de Tena realizou uma sessão extraordinária a pedido do fiscal Diego Segovia. Ele exigiu que o prefeito Reyes e os vereadores solicitassem que o então presidente Guillermo Lasso decretasse estado de exceção nos pontos com presença de garimpo ilegal “e de grupos armados”; declarasse emergência ambiental diante da ameaça de contaminação por metais pesados no rio; e que revogasse todas as licenças ambientais para atividade de mineração concedidas em Tena, uma vez que não houve consulta prévia, livre e informada, conforme exige a Constituição equatoriana. Contudo, o pedido nunca foi atendido.
“Não se trata de falta de vontade da Polícia Nacional, nem das Forças Armadas. Infelizmente, o governo não destina os recursos necessários para realizar uma mobilização em grande escala envolvendo polícia e exército; enviar apenas 200, ou 300 pessoas para essa região é colocar esse contingente em condição de inferioridade numérica, expondo ao risco a saúde e a vida dos policiais e dos militares”, afirmou Segovia durante a sessão.
Fatos recentes, como o assassinato de 11 militares do Grupo de Selva 19 Napo, no dia nove de maio, confirmaram que o crime organizado participa dessa atividade e que o aparato institucional do Estado não é capaz de enfrentar seu avanço.
No dia 28 de maio de 2025, o governo do presidente Daniel Noboa anunciou a suspensão de quatro licenças de mineração concedidas à empresa chinesa Terraearth Resources, agrupadas no Proyecto Minero Tena. As licenças incluíam lavras em Talag, Confluencia, Anzu Norte e El Icho, localizadas a poucos minutos do centro de Tena.


No entanto, poucas horas após o anúncio oficial, Beatriz*, que vive nas margens do rio Jatunyaku, afirmou à reportagem da La Barra Espaciadora que a suspensão não foi cumprida. “Aqui em Talag ninguém parou nada. Agora há pouco algumas máquinas passaram perto do meu terreno para lavar ouro”, disse. Uma semana depois, no início de junho, os trabalhos continuavam normalmente nas concessões supostamente suspensas.
Segundo o Ministério de Minas e Energia do Equador, a licença foi suspensa porque a empresa violou o plano de manejo ambiental aprovado pelas autoridades. A Terraearth Resources é hoje a mineradora com maior número de áreas concedidas em Napo e já respondeu a pelo menos quatro processos judiciais, incluindo uma causa relacionada a um contrato de arrendamento do uso de terra para exploração e mineração, e outro por danos ambientais não remediados. No total, a empresa conta com 10.900 hectares de concessões, ou o equivalente a 13.300 campos de futebol profissionais, como a que foi construída no bairro El Buen Pastor, em Tena.
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Acompanhados de Sandra, saímos do centro de Tena de carro. Em poucos minutos, pegamos uma estrada de terra que leva até Yutzupino, margeando o rio Napo. Passamos pela comunidade indígena Kichwa El Ceibo, de onde ainda é possível ver a movimentação do garimpo, entre os escombros deixados pela Operação Manatí. Ao longe, a água parece amarelada, sinal de que ainda há gente escavando o solo e remexendo o leito do rio. Oito minutos depois, chegamos a Yutzupino. Logo encontramos guaritas e seguranças particulares. Garimpeiros trabalhavam à vista de todos. Também era possível ver retroescavadeiras, caminhões caçamba, calhas eclusas – usados para processar ouro de aluvião a baixo custo. O barulho dos motores se misturava ao ronco de uma caminhonete azul, sem placa e com vidros escuros, que cruzava a estrada em sentido contrário.
Saímos do carro e seguimos à pé até onde as máquinas trabalhavam.
Encontramos um acampamento improvisado pelos garimpeiros, com mesas e tanques de combustível empilhados. Uma pessoa dormia na cabine de uma enorme retroescavadeira estacionada.
Passamos pelo bairro Illuku, que faz divisa com as minas. A meio quilômetro dali, aproximadamente, três caçambas são carregadas de material, que é trazido para ser processado.
O chão reluz, como uma imensa praia com pedras de rio. “Mas isso não é o rio, é tudo o que escavaram. O rio já não existe mais. Eles costumavam dizer: ‘Diabinho, diabinho, me ajude a encontrar ouro’ e é por isso que os turistas estrangeiros não vêm mais para cá. Está tudo contaminado”, explicou Sandra.
Juseth Chancay, hidrólogo e pesquisador da Fundação EcoCiencia, coleta dados por satélite e usa modelos hidrológicos globais para calcular a perda da qualidade da água causada pela mudança no uso do solo. Chancay comprovou que, no rio Jatunyaku, a atividade mineradora fez a temperatura da água subir entre dois e três graus, com base em medições feitas de 2004 até maio de 2025.

Os dados mostram que as temperaturas mais baixas se encontram na bacia do Alto Tena e no interior da Reserva Biológica Colonso Chalupas, e aumentam à medida que se aproximam da cidade. Entre os rios que são monitorados estão o Anzu, o Ahuayaku, o Colonso, o Jatunyaku e o Misahuallí.
Os pontos de nascente registram temperaturas médias de 22,17 graus. A área de controle indica um espaço que ainda não foi afetado e funciona como área de referência para determinar como os rios se comportariam se não fossem impactados;
Por outro lado, a área de influência do Tena, sobretudo as zonas de expansão urbana em Muyuna e Chambira, marcam 23,67°C, ou seja, um aumento de mais de um grau em relação à área de referência. Já em Yutzupino, no trecho mais baixo da bacia, a média é de 24,71°C, ou mais de dois graus acima da referência.




Outra pesquisa da Universidade de Ikiam, publicada por Josué Ponce Ramírez, en 2023, demonstrou a presença de metais pesados como arsênico, cádmio, chumbo, cobre, mercúrio, cromo e zinco no rio Huambuno, com base em 20 amostras coletadas, das quais mais da metade (53 por cento) apresentaram resultados acima dos limites recomendados pelo Conselho Canadense de Ministros do Meio Ambiente. O Huambuno passa a cerca de seis quilômetros a noroeste da paróquia de Ahuano, em Tena, e é um dos primeiros afluentes do rio Napo, com cerca de 20 quilômetros de extensão.
Ponce fez uma comparação inquietante: as amostras do Huambuno apresentaram mais metais pesados que a média encontrada no rio Amarelo, na China, uma região onde foram encontrados os mesmos metais. A afirmação se baseia em estudo do pesquisador chinês Pengyang Zhang. “O dano causado por 13 anos de mineração na escala reduzida do rio Huambuno supera a média das amostras coletadas no rio Amarelo, uma das regiões agrícolas ocupada há milênios”, afirma Ponce. Cerca de 2.000 pessoas vivem às margens do Huambuno, quase todas indígenas Kichwa. A paróquia de Ahuano, segundo o censo de 2022, tem 7.476 habitantes, sendo a terceira mais populosa de Tena.
De acordo com o estudo, “ficou evidente que, em algumas áreas urbanas, os solos também estão contaminados com chumbo, zinco, cádmio e cobre provenientes do trânsito, da pintura e de diversas fontes urbanas”. Em janeiro de 2023 a área de mineração na região de Huambuno cresceu cerca de 86 por cento em relação ao mesmo mês de 2022, segundo um relatório do MAAP, conforme registrado pelo site Mongabay Latam. Entre janeiro de 2022 e janeiro de 2023, foram destruídos 110 hectares de mata e de áreas agrícolas nessa região.
Esta reportagem é o resultado de uma colaboração entre jornalistas e cientistas latino-americanos, promovida pelo Instituto Serrapilheira, do Brasil, e pelo Centro Latino-Americano de Jornalismo Investigativo (CLIP), para explorar como os danos à biodiversidade da Amazônia prejudicam os vários serviços ambientais que ela presta ao continente.




