Extremista e apoiador de Jair Bolsonaro, candidato à prefeitura de São Paulo faz campanha pedindo que seguidores custeiem publicidade de seus vídeos na internet prometendo pagar em troca – método não é autorizado pela lei brasileira
Uma empresa que não faz parte da campanha do empresário Pablo Marçal, candidato a prefeito de São Paulo pelo Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), pagou por um anúncio no Google divulgando o site oficial de sua candidatura. Esta situação constituiria um crime eleitoral no Brasil, onde as regras da Justiça Eleitoral estabelecem que apenas as campanhas podem pagar para promover conteúdo eleitoral através de publicidade online. O anúncio esteve online pelo menos entre 16 e 20 de agosto.
Essa constatação, resultado de uma investigação conjunta do Aos Fatos e do The Intercept Brasil, coordenada pelo Centro Latino-Americano de Jornalismo Investigativo (CLIP), não é a primeira vez em que os anúncios da candidatura de Marçal são pagos por terceiros em redes sociais. Em junho, o fisiculturista Renato Cariani – companheiro de Marçal e acusado de tráfico de drogas – quebrou as regras do Meta ao publicar cinco postagens sem rótulo político divulgando sua candidatura, conforme revelou o Aos Fatos.

Marçal, que paralelamente à sua carreira política criou um negócio de venda de cursos online sobre temas empresariais e de desenvolvimento pessoal, conseguiu excepcionalmente activar o seu próprio público nas redes sociais, com anúncios no Google dos seus vídeos feitos pelos seus seguidores, o que começou. a serem amplamente publicados depois que ele prometeu fazer pagamentos para promovê-los. Depois de aparecerem entre os últimos classificados, vemos agora um aumento substancial nas suas intenções de voto. Na pesquisa feita pelo Instituto Datafolha, do jornal Folha de S. Paulo, agora aparece em segundo lugar. Sua campanha se baseia no apoio ao ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro e na defesa de suas agendas extremistas.
Marçal também poderia ter violado as regras eleitorais ao prometer recompensas aos seus seguidores pela republicação de trechos dos vídeos de sua campanha nas redes sociais. Outra reportagem do Aos Fatos mostrou um áudio em que um funcionário do candidato explica que esses pagamentos são feitos por meio de um intermediário, cobrados nas contas de campanha.
No dia 17 de agosto, o MPE (Ministério Público Eleitoral) solicitou a suspensão da candidatura de Marçal e a abertura de uma ação para apurar se houve abuso de poder econômico na pré-campanha de promoção. No sábado, 24, uma medida cautelar concedida pelo juiz Antonio Maria Patiño Zorz, da 1ª Zona Eleitoral do Tribunal Regional de São Paulo (TRE-SP), suspendeu temporariamente seus perfis em redes sociais utilizados para a monetização dos vídeos.
Como mostrou o jornal O Globo, além de conteúdos favoráveis a Marçal, vídeos com desinformação e mensagens falsas sobre as enchentes no Rio Grande do Sul foram gerados por contas de apoio ao empresário e somam ao menos 35 milhões de visualizações. Ao menos 50 perfis foram identificados como dedicados a repercutir conteúdo pró-Marçal, que somam 25,9 mil publicações e 5,2 milhões de seguidores. O empresário segue 28 deles.
Maquiadora da mulher de Marçal
O pagamento por um dos anúncios irregulares identificados foi feito por Talita Alves Trindade Vieira, que é maquiadora de Carol Marçal, mulher do candidato do PRTB, de acordo com apuração conjunta do Aos Fatos e do Intercept Brasil.
Ao tomar conhecimento dos fatos relatos pela reportagem, Marçal escreveu apenas: “kkkkk”.
Especialistas avaliam que o movimento está sujeito a irregularidades e ilegalidades. “Impulsionamento só pode o próprio [candidato] ou o partido”, explicou à reportagem a advogada Vânia Aieta, coordenadora-geral da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político).
Além de desrespeitar a legislação eleitoral, o anúncio pago pela maquiadora da mulher de Marçal também infringe as políticas do Google, que neste ano proibiu a promoção de conteúdo político-eleitoral no Brasil.
Ao menos quatro propagandas irregulares que promoviam o site da campanha de Marçal circularam entre os dias 16 e 20 de agosto. O Google não informa o custo ou o alcance dos anúncios. Até a eleição de 2022, quando anúncios político-eleitorais eram permitidos pela empresa, a plataforma de transparência informava o alcance e o custo estimado de cada peça.
Na prática, no entanto, a big tech permitiu impulsionar — isto é, pagar para que a postagem seja vista por mais pessoas — o anúncio, o que privilegia Marçal frente a todos os outros candidatos nas plataformas do Google. “O anúncio vem na frente. Ele é programado para o algoritmo entender que aquilo é mais relevante do que qualquer coisa e entregar várias vezes”, disse Marie Santini, diretora do NetLab da Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, ao Intercept Brasil.
Esta reportagem integra o projeto “Os Ilusionistas”, uma aliança jornalística coordenada pelo Clip (Centro Latino-americano de Investigação Jornalística) na qual repórteres e pesquisadores digitais de 15 organizações e veículos de mídia latino-americanos investigam, de forma colaborativa, a circulação de informações falsas e a manipulação de conversas públicas na mídia digital, durante este “super ano eleitoral” de 2024 na América Latina. No Brasil, participam do consórcio o ICL Notícias, Aos Fatos e The Intercept Brasil.
Como é o anúncio
O texto da peça publicitária paga por Vieira promove um curso oferecido por Marçal, mas redireciona para um site que divulga a candidatura à prefeitura paulistana.
Além de ser maquiadora da mulher do candidato, Vieira também participou de algumas de suas palestras, segundo registros publicados por ela nas redes.

O Aos Fatos e o Intercept Brasil conferiram o nome completo da maquiadora com as informações de registro da empresa dela. O número de WhatsApp disponível para agendamentos no Instagram é o mesmo que foi declarado no cadastro da Receita Federal, e o endereço e o e-mail informados no Facebook também batem com os dados oficiais.
No Instagram, Talita Alves Trindade Vieira publicou vídeos ao lado de Carol Marçal, como em dezembro passado, quando preparou a maquiagem dela para um casamento de família.
De acordo com a advogada especializada em direito eleitoral Paula Bernardelli, o caso pode se tornar mais crítico para a candidatura do ex-coach caso fique comprovado que ele agiu em conluio com a anunciante.
“Se houver algum indício de que as pessoas que estão fazendo isso recebem do candidato ou são orientadas pelo candidato, seria ainda mais grave”, disse ao Intercept Brasil.
Para Vânia Aieta, violações como essa são passíveis de multa, mas podem virar casos de abuso de poder de mídia, a depender da gravidade.
Além de pagar pelo anúncio de Marçal, Talita Vieira usou o Google Ads para anunciar seus serviços como maquiadora em Barueri (SP) e para divulgar cursos e mentorias de outras pessoas.

Os outros três anúncios que promoviam a campanha de Marçal foram veiculados pela anunciante Geana Rosa Martins, cuja conta foi verificada pelo Google. A reportagem identificou uma empresa de apicultura com esse mesmo nome em Andrelândia (MG), mas não foi possível descartar a possibilidade de se tratar de um homônimo. Também não foi possível estabelecer ligação entre Martins e Marçal.
Assim como a propaganda feita por Vieira, os anúncios veiculados por Martins parecem divulgar os cursos e mentorias de Pablo Marçal, mas na verdade direcionam para o site de sua campanha.
Violação de regras
A publicação de anúncios com descrições incompatíveis com o conteúdo do site para o qual redirecionam é uma estratégia usada para driblar o processo de moderação e análise de conteúdo do Google. As medidas, que também são usadas para promover golpes nas redes, são proibidas pela plataforma.
Segundo as regras, “o Google exige que os anúncios representem corretamente qual app ou site o usuário acessará ao clicar nele”.
Para Paula Bernardelli, o impulsionamento por meio de terceiros também pode ser uma forma de burlar a proibição de anúncios políticos do Google.
Aos Fatos questionou o Google sobre a veiculação das peças irregulares, mas a empresa retornou com uma resposta genérica sobre suas políticas para as eleições e em que diz agir “imediatamente” quando identifica violações.
Leia a íntegra da resposta:
“As eleições são importantes para o Google e, ao longo dos últimos anos, temos trabalhado incansavelmente para lançar novos produtos e serviços para apoiar candidatos e eleitores. Para as eleições brasileiras deste ano, atualizamos nossa política de conteúdo político do Google Ads para não mais permitir a veiculação de anúncios políticos no país. Essa atualização aconteceu em maio tendo em vista a entrada em vigor das resoluções eleitorais para 2024. Quando identificamos violações às nossas políticas, agimos imediatamente.”
A reportagem também procurou os anunciantes, mas não conseguiu contato.
Uma investigação jornalística que busca desvendar a desinformação política no “super ano eleitoral” de 2024 na América Latina. Liderado pelo Centro Latino-americano de Investigação Jornalística (CLIP) em aliança com ICL Notícias, Aos Fatos y Intercept (Brasil), El Faro (El Salvador), Lab Ciudadano (Honduras), Animal Político e Mexicanos Contra la Corrupción (México), La Prensa y Foco Panamá (Panamá), IDL Reporteros y Ojo Público (Perú), Diario Libre (República Dominicana), El Observador (Uruguai), Fake News Hunters, Cocuyo Effect, ProBox, C-Informa e Medianalisis (Venezuela)




